O regime das medidas de urgência era regulado pelo art. 22, §4º, da Lei de Arbitragem, o qual referia, singelamente, que caberia ao árbitro solicitar ao Poder Judiciário a imposição de medidas ‘coercitivas’ e ‘cautelares’.
A lei não regulava, de forma específica, as medidas de urgência necessárias antes da instituição da arbitragem – o que se dá apenas com a aceitação do encargo pelo árbitro, na forma do artigo 19 da Lei de Arbitragem. Diante do laconismo legislativo, basicamente três vertentes jurisprudenciais surgiram. A primeira, sustentando que caberia somente ao árbitro apreciar os pedidos de medidas de urgência, sendo vedado às partes socorrerem-se diretamente do Poder Judiciário, mesmo que ainda não houvesse árbitro nomeado. A segunda, que admite a apreciação de pedidos de medidas de urgência pelo Poder Judiciário somente enquanto ainda não instituída a arbitragem. E a terceira preconizando que o Poder Judiciário sempre poderia apreciar diretamente pedidos de medidas de urgência, mesmo já estando instituída a arbitragem.
Em meio a tal divergência jurisprudencial, a questão veio a ser objeto de decisão da 3ª Turma do STJ, em 2012, relatada pela Min. Nancy Andrighi, que deu guarida à segunda vertente jurisprudencial acima referida (ver STJ, 3ª T., REsp 1297974, j. 12.06.2012, unânime). Com a reforma da Lei de Arbitragem, tal entendimento foi mais detidamente regulado pela adição dos arts. 22-A e 22-B e revogação do §4º do art. 22. Esta nova redação da Lei de Arbitragem deixa claro que, no caso da arbitragem já estar instituída, cabe ao árbitro apreciar, conceder ou denegar medidas de urgência. Somento a imposição forçosa dessas medidas ficaria a cargo do Poder Judiciário.
O Poder Judiciário poderá apreciar diretamente da tutela de urgência apenas enquanto a arbitragem ainda não estiver instituída. Nesta hipótese, tão logo institua-se a arbitragem, tocará ao árbitro reapreciar a tutela judicialmente conferida, mantendo, alterando ou revogando a respectiva decisão. Ou seja, o texto legal também explicita quando findam aqueles pressupostos excepcionais que permitem ao Poder Judiciário apreciar diretamente pedido de medida de urgência em controvérsia abrangida por convenção arbitral. Além disso, a instituição da arbitragem deverá ser requerida em até 30 dias, sob pena de cessar a eficácia da medida de urgência deferida.
Nosso entendimento é que deve ser ressalvada a situação em que, mesmo já instituído o tribunal arbitral, este se encontrar impossibilitado de apreciar o pedido de medida de urgência, por qualquer razão. Nessa hipótese, caberá a postulação da medida de urgência diretamente ao Poder Judiciário, podendo o tribunal arbitral ulteriormente reapreciar o que houver sido decidido em sede de jurisdição estatal, quando lhe for possível. Ressalvamos, ademais, que todo o acima referido ainda se submete à vontade das partes, a qual terá prevalência, de modo que, na hipótese de as próprias partes limitarem a convenção de arbitragem com disposição expressa autorizando a postulação direta de medidas de urgência perante o Poder Judiciário, esta disposição contratual deverá prevalecer. A criação do art. 22-C, caput e parágrafo único, também deixou claro que o cumprimento da decisão de urgência conferida pelo árbitro, quando exigir imposição de força física, se dará através da ‘carta arbitral’ expedida por ele ao juízo estatal, a qual segue os mesmos moldes previstos para cooperação entre os órgãos judiciários – carta precatória e rogatória. Ou seja, o juiz estatal, em nenhuma hipótese, revisará o mérito da concessão da medida de urgência pelo árbitro.
O referido entendimento acerca da possibilidade de postulação de tutela de urgência junto ao Poder Judiciário, quando ainda não houver possibilidade de sua cognição ser feita pelo árbitro, não abrange aquelas tutelas que a doutrina consagrou denominar de “antecipação de evidência”. Isto porque a antecipação de evidência não é estribada na urgência – mas sim na elevada verossimilhança do direito postulado e na postura insólita da parte adversa. Em se admitindo a tutela de evidência na arbitragem, e não há porque não se admitir, tal decisão tocará sempre ao árbitro e, mesmo enquanto não instituído o procedimento arbitral, descaberá cogitar de tal tutela.
Tornou-se tão pacífica a possibilidade de o tribunal estatal analisar medidas de urgência enquanto não instaurado o procedimento arbitral, sem afetar o posterior julgamento da questão pelo árbitro, que o STJ consagrou, na edição 122 de sua “Jurisprudência em teses”, um enunciado específico sobre o tema: “Tese 6. O prévio ajuizamento de medida de urgência perante o Poder Judiciário não afasta a eficácia da cláusula compromissória arbitral.”